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O pobre Antônio, quando vota, sabe que tem que fazer. Mas não sabe o porque faz. Me atrevo dizer que ele não sabe quando faz, é uma dedução assaz perspicaz, veja: Antônio é letrado 'naqueles' moldes, se é que me entende; sua condição de operário faz com que ele se interesse por duas coisas, com o perdão da palavra, buceta e cerveja; a realidade o prende à sua seção onde ele faz de tudo um pouco é o responsável por fazer a peça entrar e sair, trabalhando num sistema que podemos chamar de fordismo melhorado - Antônio é, basicamente, um artesão da autopeça; seu motivo de trabalhar é simples: precisa alimentar o neto, filho ilegítimo de seu próprio filho, que nada quer saber do trabalho; muito mais do que trabalhar pelo neto, ele quer trabalhar pela aposentadoria, que é sonhada... apenas, sonhada (porque o INPS anda de tal maneira que quando eu atingir os 65 anos, será requisito mínimo para aposentadoria simples cinqüenta anos de trabalho e setenta e cinco de idade); a real preocupação de Antônio é colocar comida na mesa, pagar a água/luz/gás/telefone/internet/celular, ter roupa lavada e passada, um local para as refeições, um banheiro decente, uma cama quente e um bar próximo de casa. Você acha que Antônio vai saber que o Sistema Constitucional instituído em 1988 pela Assembléia Nacional Constituínte estabeleceu o voto secreto direto e universal e a forma republicana democrática, ratificada pelo plebiscito de 7/9/93 que foi realizado em virtude do disposto no Ato das Disposições Constitucionais Transitórias art. 2º, Antônio saberá então que o Estado realiza a cada dois anos eleições para todos os cargos políticos da nação, pode saber ele que existe uma Justiça especializada, chamada Justiça Eleitoral, pode saber Antônio que o voto dele vale de alguma coisa?
Antônio vota porque a televisão da sala que ele ainda está pagando no crediário diz que no dia três de outubro de um ano aleatório ele deverá ir até a escola mais próxima da casa dele e procurar a sala com o número que está escrito no título de eleitor, isso se ele ainda tem o título guardado, e apertar o número do panfleto que ele acabou de receber na porta do colégio.
Ele volta pra casa xingando o governo que só arruma idiotice pra ele fazer, com o tempo menor porque ainda tem que ir na feira, sem aumento de salário, com aumento de impostos. Antônio só pensa uma coisa "O governo bem que podia fazer eleição em dia de segunda, pra gente poder faltar no trabalho e receber normal".
E no fim do dia - com um short de tecido surrado com pingos de cal da casa da dona Maria Estela, que ele está pintando pra tirar um dinheirinho, com um chinelo de dedo, que nem havaiana mais é porque esta virou coisa de elite, e uma camiseta qualquer e boné ganhado na rua mesmo - Antônio volta a sua rotina, que agora, está, ao mínimo, livre do horário político.
Cerveja e buceta, é o que Antônio quer.
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