S. Pavlo de Piratininga, 1º dia do sexto mês, IV da revelação de Beams


“O que desfruto quando estou sozinho comigo mesmo? Desfruto a mim mesmo, o universo inteiro, tudo o que é e pode ser, tudo o que há de belo no mundo sensível, no mundo da fantasia e no mundo intelectual. Qual período de minha vida mais aprecio recordar em minhas noites de insônia e ao qual mais freqüentemente retorno em sonhos? São os períodos de recolhimento; são os passeios solitários; são aqueles dias fugazes mais deliciosos que passei absolutamente sozinho, com minha simples e boa companheira, meu cão minha gata, os pássaros do campo e os animais da floresta, com toda a natureza e seu criador extraordinário. Se me levantasse antes do amanhecer para observar e desfrutar o despertar do Sol no jardim, se seu nascimento prometesse um lindo dia, então desejaria antes de tudo que nem as cartas nem visitas perturbassem seu encanto. Eu me apressaria, e com que palpitações e exaltação de alegria respiraria, aliviado, se, durante todo o dia, tivesse certeza de ser dono de mim mesmo! Escolheria um lugar selvagem qualquer na floresta, onde não me lembraria da mão do homem, nem falaria de sua tirania, onde não haveria um terceiro, incômodo, entre mim e a natureza. Ali se desvelaria diante de meus olhos um esplendor sempre novo. O dourado das giestas, da púrpura, nas quais o mundo permaneceria envolto, encantaria meus olhos e tocaria meu coração; a majestade das árvores quem me cobririam com suas sobras, a delicadeza dos arbustos que me cercariam, a variedade espantosa de flores e ervas: isso tudo manteria meu espírito numa alternância constante de observação e admiração. Minha imaginação não tardaria em povoar essa bela terra – e o faria com criaturas que estivessem de acordo com meu coração. Ao arrancar de mim toda convenção, todo preconceito, todas as paixões fúteis e artificiais. Faria surgirem, nos braços da natureza ou sob sua proteção, seres humanos que fossem dignos de habitá-la. Criaria em minha imaginação uma época dourada e ficaria comovido até as lágrimas, se pensasse na verdadeira alegria da humanidade, naquelas alegrias deliciosas e puras que agora estão tão distantes dos homens. No entanto, em meio a tudo isso, confesso que sentiria de vez em quando uma súbita aflição. Mesmo que todos os meus sonhos se transformassem em realidade, ainda assim não teriam me deixado satisfeito; eu ainda assim me entregaria a fantasias, sonhos e desejos. Encontraria em mim um vazio inexplicável, que nada poderia preencher; o desejo, vindo do coração, de um outro tipo de felicidade, que não seria capaz de imaginar e pela qual, não obstante, ansiaria. E mesmo esse desejo seria ainda fruição, pois eu estaria impregnado de um sentimento vivo e de uma tristeza que me atraiu e da qual eu não deveria sentir falta.”

Jean-Jaques Rousseau
faço de suas, minhas palavras

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