Capítulo III – A chegada de Josué
22 de novembro de 1988
Uma semana de angústia se passou, queria tanto que Josué chegasse. É o encontro do século, acho que as televisões deveriam noticiar o evento. Mas, por mais que eu tentasse me tranqüilizar a expectativa se fazia mais forte a cada dia. Estava liberado do Seminário, não tinha mais o que fazer. Eu ficava em casa o dia todo.
Fiz todo o tipo de desastre que se pode ter notícia, derramei o leite, destruí o jardim, quebrei a chave da porta e muito mais. De certo modo foi até bom, eu ocupei a mente. Ia todos os dias até a Igreja da Sé, e ficava alternando meu tempo entre a Igreja, a casa de meus pais e a casa do Monsenhor Andrade.
Finalmente o sábado chegou, estava já exaurido. Não tinha mais coração para agüentar a expectativa. Hoje de manhã eu acordei extraordinariamente bem, não queria tomar meu café da manhã sozinho, então fui para a casa de meus pais.
Me arrumei, de modo que eu parecesse um ser humano decente, vesti uma calça jeans e saí para a praça. Desci a rua de Baixo e logo avistei a casa de meus pais. Abri o portão e fui logo dizendo olá.
Meus pais estavam sentados tomando o café e eu me juntei a eles. Comemos um delicioso queijo minas com pães franceses e o sagrado café, sou viciado no café, é um pecado que tenho que confessar.
Durante a manhã fui até a casa de dona Alfreda, uma das irmãs da igreja, e fiquei a conversar com ela por longa data. Ao dar o tempo certo fui à Igreja da Sé com dona Alfreda e lá sentamos no primeiro banco, e abaixo de Santa Ana começamos a conversar.
_Meu filho, você é uma benção de Deus para nós, eu espero muito que você se torne logo padre – disse dona Alfreda
_A Senhora é a benção desta igreja, todas as almas caridosas que tens ajudado são de grande valia para sua salvação. Se continuar ajudando os pobres de espírito como tem feito será muito recompensada no céu.
Dona Alfreda era uma mulher revolucionária, acredite se quiser, ela se dava ao luxo de usar calças quando queria. Ela tinha o cabelo pintado de vermelho e seu marido fugira. Deixara com ela o filho, Patrício, para que ela criasse. A criança nada tinha de excepcional, era até sem graça, mirrada. Tinha os olhos tortos e a boca murcha. Ele era meio débil.
A inocente dona Alfreda acreditava em tudo o que se dizia na igreja, e por não ter uma formação religiosa sólida vinha tirar suas dúvidas comigo. Sempre que necessitava de ajuda espiritual o seminarista Paulo estaria ao dispor dela.
Nessas horas, em que a conversa estava branda, chegou outra irmã, a mulher do Coronel Leonino, dona Úrsula estava caminhando vagarosamente pelo corredor da nave central. O tic tic da bengala que ela sempre trazia ressoava por toda a igreja. Os cabelos brancos, já ralos, estavam despenteados e o vestido marrom que ela usava estava meio desbotado.
Dizem por aí que ela é meio louca, meio desvairada. Logo chegou ao altar, ajoelhou-se e começou a rezar sem nem mesmo cumprimentar-nos.
Eu fiz um olhar significativo para d. Alfreda e ela entendeu, despediu-se e foi embora. Eu fiquei a ordenar os papéis na sacristia.
Um barulho estrondoso fez-se na igreja, eu corri e fui até lá. Quando vi o candelabro do altar no chão e ao lado d. Úrsula caída. Imediatamente fui ajudá-la, e quando eu a virei seus olhos estavam brancos e a voz rouca. Começou a falar:
_Hoje a desgraça se abaterá sobre esta cidade, o mal chegará e a Ordem será destruída.
Os olhos voltaram a posição natural, e ela me encarou com um olhar arrogante. Levantou-se sem minha ajuda e saiu trovejando palavrões contra mim. Imaginem como fiquei. Pasmo. Sem reação. Não havia o que pensar sobre aquilo, ou a velha endoidecera de vez ou estava possuída. Resolvi deixar o caso pra depois e me concentrar no dia.
Já se faziam horas altas da tarde e eu voltei pra casa, afinal, ela estava ao lado. Acendi o fogão a lenha e comecei a esquentar a água do café. Preparei alguns pães e coloquei a mesa, já se fazia necessária a luz elétrica. Acendi a lâmpada incandescente da cozinha e fiquei sentado ao pé do fogo. O velho relógio de parede estava ressoando seu tic tac na sala. Acabei adormecendo.
Acordei com o barulho da chuva na janela de madeira, a água já estava borbulhando. Passei o café e alguns trovões ressoavam do lado de fora. Coloquei a mesa para dois, já que o Josué chegaria a qualquer instante, e não tardou muito, a sineta tocou. Ele havia chegado.
Corri à dispensa para pegar um guarda-chuva, o primeiro que achei, peguei. Era um modelo feito em madeira e era todo preto, o ganhei no seminário. Atravessei a sala e fui para o quintal, abri o trinco de ferro e destravei a tranca. Arrastei o pesado portão de madeira maciça.
Um trovão, seguido de relâmpago, iluminou a noite. Uma figura alta e esguia se apresentava a minha frente. Trajando uma batina negra Josué adentrou ao meu quintal.
Uma semana de angústia se passou, queria tanto que Josué chegasse. É o encontro do século, acho que as televisões deveriam noticiar o evento. Mas, por mais que eu tentasse me tranqüilizar a expectativa se fazia mais forte a cada dia. Estava liberado do Seminário, não tinha mais o que fazer. Eu ficava em casa o dia todo.
Fiz todo o tipo de desastre que se pode ter notícia, derramei o leite, destruí o jardim, quebrei a chave da porta e muito mais. De certo modo foi até bom, eu ocupei a mente. Ia todos os dias até a Igreja da Sé, e ficava alternando meu tempo entre a Igreja, a casa de meus pais e a casa do Monsenhor Andrade.
Finalmente o sábado chegou, estava já exaurido. Não tinha mais coração para agüentar a expectativa. Hoje de manhã eu acordei extraordinariamente bem, não queria tomar meu café da manhã sozinho, então fui para a casa de meus pais.
Me arrumei, de modo que eu parecesse um ser humano decente, vesti uma calça jeans e saí para a praça. Desci a rua de Baixo e logo avistei a casa de meus pais. Abri o portão e fui logo dizendo olá.
Meus pais estavam sentados tomando o café e eu me juntei a eles. Comemos um delicioso queijo minas com pães franceses e o sagrado café, sou viciado no café, é um pecado que tenho que confessar.
Durante a manhã fui até a casa de dona Alfreda, uma das irmãs da igreja, e fiquei a conversar com ela por longa data. Ao dar o tempo certo fui à Igreja da Sé com dona Alfreda e lá sentamos no primeiro banco, e abaixo de Santa Ana começamos a conversar.
_Meu filho, você é uma benção de Deus para nós, eu espero muito que você se torne logo padre – disse dona Alfreda
_A Senhora é a benção desta igreja, todas as almas caridosas que tens ajudado são de grande valia para sua salvação. Se continuar ajudando os pobres de espírito como tem feito será muito recompensada no céu.
Dona Alfreda era uma mulher revolucionária, acredite se quiser, ela se dava ao luxo de usar calças quando queria. Ela tinha o cabelo pintado de vermelho e seu marido fugira. Deixara com ela o filho, Patrício, para que ela criasse. A criança nada tinha de excepcional, era até sem graça, mirrada. Tinha os olhos tortos e a boca murcha. Ele era meio débil.
A inocente dona Alfreda acreditava em tudo o que se dizia na igreja, e por não ter uma formação religiosa sólida vinha tirar suas dúvidas comigo. Sempre que necessitava de ajuda espiritual o seminarista Paulo estaria ao dispor dela.
Nessas horas, em que a conversa estava branda, chegou outra irmã, a mulher do Coronel Leonino, dona Úrsula estava caminhando vagarosamente pelo corredor da nave central. O tic tic da bengala que ela sempre trazia ressoava por toda a igreja. Os cabelos brancos, já ralos, estavam despenteados e o vestido marrom que ela usava estava meio desbotado.
Dizem por aí que ela é meio louca, meio desvairada. Logo chegou ao altar, ajoelhou-se e começou a rezar sem nem mesmo cumprimentar-nos.
Eu fiz um olhar significativo para d. Alfreda e ela entendeu, despediu-se e foi embora. Eu fiquei a ordenar os papéis na sacristia.
Um barulho estrondoso fez-se na igreja, eu corri e fui até lá. Quando vi o candelabro do altar no chão e ao lado d. Úrsula caída. Imediatamente fui ajudá-la, e quando eu a virei seus olhos estavam brancos e a voz rouca. Começou a falar:
_Hoje a desgraça se abaterá sobre esta cidade, o mal chegará e a Ordem será destruída.
Os olhos voltaram a posição natural, e ela me encarou com um olhar arrogante. Levantou-se sem minha ajuda e saiu trovejando palavrões contra mim. Imaginem como fiquei. Pasmo. Sem reação. Não havia o que pensar sobre aquilo, ou a velha endoidecera de vez ou estava possuída. Resolvi deixar o caso pra depois e me concentrar no dia.
Já se faziam horas altas da tarde e eu voltei pra casa, afinal, ela estava ao lado. Acendi o fogão a lenha e comecei a esquentar a água do café. Preparei alguns pães e coloquei a mesa, já se fazia necessária a luz elétrica. Acendi a lâmpada incandescente da cozinha e fiquei sentado ao pé do fogo. O velho relógio de parede estava ressoando seu tic tac na sala. Acabei adormecendo.
Acordei com o barulho da chuva na janela de madeira, a água já estava borbulhando. Passei o café e alguns trovões ressoavam do lado de fora. Coloquei a mesa para dois, já que o Josué chegaria a qualquer instante, e não tardou muito, a sineta tocou. Ele havia chegado.
Corri à dispensa para pegar um guarda-chuva, o primeiro que achei, peguei. Era um modelo feito em madeira e era todo preto, o ganhei no seminário. Atravessei a sala e fui para o quintal, abri o trinco de ferro e destravei a tranca. Arrastei o pesado portão de madeira maciça.
Um trovão, seguido de relâmpago, iluminou a noite. Uma figura alta e esguia se apresentava a minha frente. Trajando uma batina negra Josué adentrou ao meu quintal.
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