Palácio do Anhangabaú

Nenhuma luz podia-se ver de onde eu estava. No meu apertado canto eu apenas observava. Desde que nasci, sempre fui uma observadora muda. A vida passa na minha frente durante todo o dia, durante todo o mês, durante todo o ano.

As pessoas começam a chegar depois que os primeiros raios do sol podem bater na minha face. Agora, já três horas da madrugada. Não posso evitar, estou no mesmo lugar que sempre estive. Sou como um cadáver que não se mexe e não pode modificar seu estado.

Durante toda minha vida muitas coisas me desagradaram, vidas foram destruídas aos meus pés, beijos foram roubados, fortunas enterradas e amores perdidos...

Hoje é um dia especial. Um dia de ira, um dia de julgamento. É uma noite congelante e eu estou parada; aliás estou na minha casa, o Palácio do Anhangabaú, moro no último andar.

Nas horas noturnas não existem pessoas que vão incomodar-me, mesmo porque o prédio fica vazio. Mas nesta noite havia alguém, esta noite exalava o cheiro da morte. A porta do terraço se abriu, uma mulher de meia idade se dirigia até a extremidade do edifício, seus olhos cheios de lágrimas gritavam a angústia que o coração dela sentia.

Murmurava algumas palavras pontilhadas de soluços e não se podia entender o que ela dizia, simplesmente se tratava de uma grande mágoa. Ela era uma pessoa agraciada, não se vestia mal, e tinha a liberdade de entrar em minha casa durante a noite, não é qualquer tipo de pessoa que passa pelos guardas impune. Ela tinha olhos de traição, podia-se ver transparecer um fogo incontrolável que irradiava daqueles olhos que cessaram de chorar. Ela arrancou um colar de pérolas e jogou no vale.

A porta se escancarou, um homem apareceu, e ela virou-se imediatamente. Quando reconheceu-o passou a gritar:

_Saia daqui, você não merece minhas lágrimas. Você escolheu destruir sua reputação, sua carreira e seu casamento. Saia daqui.

Ele pareceu não se importar e avançou na direção dela

_Você tem que entender, minha vida não é só você. Aceite que tenho outra. – disse ele ao se aproximar.

Quando ela percebeu que ele chegava perto, mudou de atitude. Virou-se e o abraçou.

_Não gostei do que você fez. E digo que vou te perdoar... – um lampejo maligno atravessou os olhos dela – mas só vou te perdoar quando você estiver no inferno.

Com um gesto rápido ela o projeto para fora da amurada, mas não o soltou. Ele ainda segurou na borda do edifício, olhou suplicante, mas não disse nada. Ela segurava a mão dele, e se ela a soltasse ele cairia no vale, assim como o colar.

_Você me matou. Agora, estou simplesmente trazendo você ao meu mundo – e com um gesto largo, soltou a mão do Prefeito.

Virou-se para mim, e disse:

_Você é a árvore mais bela deste terraço. É o nosso segredo. Ninguém jamais saberá, a não ser eu e você.

Com isso ela caminhou para a porta. Ela era agora, viúva. Deixara de ser primeira-dama. E virando-se, antes de descer as escadas disse, jogando as palavras ao vento:

_ Requiem aeternam dona eis, Domine.

Comentários

Bug disse…
Poxa que triste, sorte que isso não acontecera com nosso prefeito já que ele nao tem mulher e muito menos uma mulher que aguente tanto culote! ahuwehuawa

mais foi muito bonito!
Lipe disse…
adorei.é assim que se faz ! traiu, capa ou mata!

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